quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Numa vibe de Charlie Brown Jr.

Num é... Pra ver como eu falo sério quando digo que sou musicalmente promíscua. Aqui, no Orkut... No ouvido.

"Que bom viver, como é bom sonhar. E o que ficou pra trás passou e eu não me importei, foi até melhor: Tive que pensar em algo novo que fizesse sentido.

Livre pra poder sorrir, sim... Livre pra poder buscar o meu lugar ao sol!

Um dia eu espero te reencontrar numa bem melhor. Cada um tem seu caminho, eu sei foi até melhor...

Nossas vidas, nossos sonhos têm o mesmo valor..."


"Buscando um novo rumo que faça sentido nesse mundo louco, com o coração partido eu... Tomo cuidado pra que os desequilibrados não abalem minha fé.

Cuide de quem corre do seu lado e quem te quer bem, essa é a coisa mais pura...
Que importa é se sentir bem, que importa é fazer o bem.


Viver, viver e ser livre. Saber dar valor para as coisas mais simples.
Só o amor constrói pontes Indestrutíveis..."

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Depressão

Costumava brincar na varanda quando era criança. Com carrinhos de madeira e os sapatos ortopédicos, em uma alheiação a tudo na vida que é própria das crianças. Ou ao menos era.
Pensando nos tempos verbais me dou conta de que, um tempo no passado, eu era.
Sim, era. Porque hoje eu não sou. Hoje a alheiação é tudo que me define. Andando e vivendo de forma autômata. Trabalhando, chegando, pondo o lixo pra fora, alimentando o cão. Dormindo.

Dormindo...
Há quanto tempo eu não sonho?
Acordando.

Preparo o café numa xícara encardida de tanto receber o amargo café. Sem açúcar e em curtos goles, porque o sabor das coisas já não me interessa.
Não me interessa o cheiro do café, outrora agradável e sensual.
Não me interessa o gosto do pão quente, a manteiga derretendo.
Não me apetece.
Nada me apetece.

Dei-me conta, enfim, pensando nisso. Que um dia, eu amei. Um dia eu tive prazer, um dia eu fui feliz.
Lembrei-me vagamente, inclusive, de ter sorrido.
Quem me vê nunca acreditaria que um dia eu sorri. Esses músculos da minha face congelada, creiam-me, um dia, já se alargaram num sorriso. Já se esticaram numa gargalhada, que hoje eu não saberia imitar, até porque só consigo recordá-la muito vagamente, e nenhum canto da minha boca se move, ao fazê-lo...

Perdendo-me em pensamentos, lembro do dia que morri, ainda em vida. Ela foi embora.
Arrumou as roupas, que não eram muitas, numa mala pequena, de flores antigas, que já pareciam murchas, de tão encardidas.
Aquele jeito simples, que eu amava, aquele cabelo desalinhado, que eu adorava. O cheiro do cabelo dela, o cheiro do olhar dela se virando pra mim, pela última vez, num suspiro fundo, na última desesperança de que tudo se solucionasse, mas não havia solução. Tanto não havia, que ela nem repetiu a velha frase, mais uma vez...

- Não suporto mais essa sua parcimônia diante da vida.

A velha frase que eu não entendia. Ouvi, ouvi, ouvi. Irrelevante ouvir, se eu não a discernia. Ela não entrava... Soava aos meus ouvidos como um pedaço qualquer de uma música que sobremaneira não me interessava. Nem a repudiava, nem a introjetava. Ignorava-a.

Por algumas vezes, raras vezes. Acordei por instantes para a frase, e para a palavra estranha ao ninho da idéia: parcimônia.
Parcimônia diante da vida. Vida parcimoniosa. Parcimônia... A palavra ecoava preguiçosamente no meu cérebro pasmacento.
Nos segundos que conseguia me prender à frase, eu pensava: Ela deve querer dizer pasmaceira. Ela deve querer dizer letargia.

Porque eu era letárgico. Não sei por que, mas me parece que numa noite qualquer, minha alma fugiu de mim.
Eu comecei a ficar letárgico num dia de outono. Eu não fui sempre assim, eu não nasci assim. Não nasci um zumbi. Quando nos casamos, eu a carreguei no colo pra dentro da casa. Caímos na sala, às risadas, às gargalhadas. A casa era a chácara que ela quis. Com árvores frutificando na frente, com um poço coberto atrás, uma horta e umas galinhas.
Tinha uma varanda de madeira e cadeiras de balanço.
Ela fazia peças de tricô, crochê, nãoseiquê e enfeitava todos os cantos.

A vida parecia tão perfeita, mas um dia eu comecei a definhar. Num dia de outono acordei assim... Não sei o motivo. Me senti desanimado e apenas. Sei que não me dei conta. A princípio parecia cansaço, preguiça ou simplesmente tédio... Depois tudo me desinteressava. O amanhaecer, o anoitecer, o tédio, a vida. Tudo.

E, a despeito das inúmeras tentativas dela de me tirar da cadeira de balanço na varanda, e me levar a algum lugar, eu não sentia nenhuma vontade de sair. Eu queria ficar ali. Pensando em... minto. Sem pensar em nada. Nada ocupava minha mente. Nada. Era tão vazia, tão vazia, que eu quase podia sentir o vento a bater nas paredes internas da minha caixa craniana.

Então, a princípio ela tentava conversar. Sem arrancar de mim qualquer diálogo, ela parou. Começou a brigar. Gritava, esperneava, batia-me... E eu letárgico, não sentia nenhuma vontade de reagir.
Desistiu também.
O rosto antes rosado, sorridente transformou-se num semblante triste, amargurado, cansado, infeliz...

E mesmo percebendo claramente, eu não conseguia sentir nada. Absolutamente nada.
Qualquer sugestão dela, nas raras tentativas que ainda fazia, era replicada com um:

- Pra que isso? Vamos deixar assim mesmo. Vamos ficar aqui mesmo. Vamos dormir cedo.

Então, numa manhã, subitamente eu morri, quando ela foi embora.
Eu sentado na varanda. Ela se postou em pé ao meu lado. Pôs a mala no chão. Olhou pra mim uma última vez. Calada. Arrumou sobre os ombros o bolero de tricô. Suspirou... Porque acho que não tinha mais lágrimas. Tinha deixado todas as suas lágrimas impregnadas pelos cantos da casa. No travesseiro da cama, no avental na cozinha, na toalha de banho.

Não falou nada. Nenhum adeus, nenhum até logo. Nada. E eu a vi andar, sem olhar mais nenhuma vez pra trás. Deixou a porteira aberta, pra não se virar para fechá-la. Algo dentro de mim parecia, muito longuinquamente, muito muito muito furtivamente, tentar se desvencilhar da argamassa de nada que me paralisava, para suplicar: não vá.

Mas a muralha da China era menos que o que me aprisionava ao nada. E, apesar de saber que havia em algum lugar uma súplica desesperada que dizia: 'Você é a minha única esperança. Salva-me!', eu não disse nada. Não esbocei reação. Quase não a olhava, mas ao horizonte.

E quando ela se foi, eu morri. Mais do que já havia morrido. Tudo acabou. E não havia sensação de perda, nem de vazio, nem de nada. Tudo era. E não era nada importante.

Continuei sentado. A pensar no gato que morreu, lembro da árvore que está velha no jardim, e nem frutos dá mais. Ela tombará, um dia, inconsciente, ignorante de si, do que foi, do que é. De como, um dia, foi viçosa e floresceu. Frutificou, abrigou pássaros e crianças.
De como suas folhas cantaram em um dia de vento.

Ela leva uma vida parcimoniosa. Porque nada lhe interessa. Qualquer fruto agora é supérfluo. Basta esperar a morte.

Penso que somos iguais, eu e a árvore.