sábado, 31 de julho de 2010

Dia Comum

Foi numa dessas tardes comuns que reencontraram-se na rua. Estavam caminhando.
Ela, fumava um cigarro (a despeito de não se separar com vírgula o sujeito e o verbo, ela o fazia) mentolado e pensava nos poemas de Bandeira sem, no entanto, se lembrar completamente de nenhum.

Espanca ela sabia, Vinícius ela sabia, Pessoa, Camões, Augusto dos Anjos. Drummond ela até sabia algumas coisas. Cecília, outras. Até textos do Veríssimo e do Sabino. Até crônicas de algum autor que ela não lembra.

Mas do Bandeira, só frases: "...pensando na vida e nas mulheres que amei", "...tudo que poderia ter sido e não foi", "pneumotórax", "tango argentino".

Poemas? Não...

Ele, desatento da calçada, não separava com nada o sujeito e o verbo, nem usava a vírgula de cigarro, nem usava poemas como pensamentos. Ele pensava... ele pensava...
Não sei em quê ele pensava.

Esbarraram-se na calçada. Ela, pensando em poemas; ele... não se sabe nem se pensava.

Cumprimentaram-se. Descoordenadamente, ou codesordenadamente. Timidamente. De maneira afável. Um pouco surpresos, eu diria, com o encontro inusitado. Cumprimentaram-se.

De repente, toda a coincidência do reencontro fazia sentido. Toda incoerência, de repente. Toda a incongruência parecia perfeita. Como o caos criador. Como a entropia.

Sentaram-se na calçada e conversaram. Sobre todas as coisas do universo. Parecia que nada mais existia entre ambos. Só aquela fraternidade estranha de que só fazem parte as pessoas que não tem muita parte neste mundo.

Todos os assuntos vieram à tona, compor o momento.

Deu a hora. Anoiteceu. Estiveram lá. Sem dormir, ou acordar, sem parar, sem deixar de falar. Estiveram lá. Sem mãos dadas, sem afago, sem carinho, sem amor. Sem nada. Somente estavam ali, rememorando... Não, rememorando não mais, porque tudo que podia já tinha sido rememorado. Só falando sobre coisas afins. Alheias a ele e ela.

Raiou o dia.

Estava na hora de dormir a boemia.

Despediram-se, prometeram se falar sempre.

Ele, foi-se, pensando na poesia. Levou dela o cigarro na mão. Mentolado.
Ela foi-se. Pensando em... pensando em...

...não sei bem.

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