sexta-feira, 30 de julho de 2010

A história estranha

Contavam que ela andava pelas ruas, sem saber pra onde ia.
Todos os dias vinha de não sei onde, andava, andava e nunca chegava.
Foi o que me disseram da primeira vez que a vi.

Cabelos desalinhados, rosto queimado de sol, olhar perdido.
Roupas puídas e um sorriso de canto nos lábios, mas que mais parecia um sorriso de tristeza.

Ninguém mais se apercebia dela, tão comum era vê-la subir e descer ruas.
Dizem que a seguiram algumas vezes pra saber onde ia. Mas ela nunca chegava.
Dizem que iam sempre no sentido contrário ao que ela vinha, pra saber de onde ela vinha, mas nunca encontravam.

Sem nome, sem direção, sem sentido, sem origem, sem destino.

Ainda assim, ela sempre estava andando. Não havia um dia em que ela deixasse de passar pelas ruas. O sorriso no canto, sublinhado de tristeza.

Eu também fiquei tentada a segui-la.
Fiquei tentada também a descobrir de onde ela vinha.
De perguntar seu nome, de saber da sua história.

Mas inerte, somente as pernas a andar, meio torta pra um lado, com o olhar vago no horizonte, ela não deixava margem a qualquer questionamento.

Ninguém a interpelava, frustradas fossem todas as tentativas anteriores.
Ninguém a cumprimentava, não obstante fosse completamente desnecessário; não haveria resposta nunca.

Contavam mil histórias milaborantes: Perdeu os pais em um acidente, teve um rim roubado, mataram seus filhos, comeram seu cachorro, arrancaram suas rosas.

De fato, ninguém havia que soubesse nada a seu respeito. E, sem nenhum respeito profundo, sem nenhuma solene consideração, todos a ignoravam, embora a soubessem sempre ali a andar.

Quando eu cheguei àquela cidade, quando eu cheguei àquele vilarejo, quando eu cheguei àquele lugar, perdido, ermo, sem nome, desabitado, todos eram fantasmas.

Todos eram pessoas que não viviam, não falavam, não respiravam, não sonhavam. Todos andavam feito zumbis, pela manhã, imaginando pastas na mão, imaginando negócios a tratar, imaginando o carro a guiar, imaginando filhos de quem se despedir, imaginando uma mulher a beijar.

Quando eu cheguei, ninguém falava comigo. Ninguém conseguia me olhar, envoltos estavam numa névoa cinzenta, que lhes parecia um arremedo de vida.

Somente ela, parou, me olhou, sorriu e disse:
- Estive esperando sua chegada.

- Nós nos conhecemos?

- Sim.

- E quem é você?

- Você.

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