quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Saudade

De repente você só se dá conta que alguém faz falta quando tem a oportunidade de se saber sem ele. Quando alguém que você quer bem sai, sobretudo quando a saída é sorrateira, ou suave, ou triste, você sente um vazio que vai se instalando, a princípio, sem motivo aparente. Como naqueles dias em que você não tem nada a fazer, e está no ócio, e pode jurar que está esquecendo alguma coisa muito importante, e sente aquela queimação no peito, sem identificar a razão. Ou quando você faz algo, mesmo que mínimo, e sua consciência fica te acusando, antes de dormir. Você se sente o réu, mas não sabe bem qual foi o crime.... Depois, você procura dos lados e não está lá. Você queria dizer pra ela (a pessoa) que isso está acontecendo: não dormi bem essa noite, acho que comi algo que me fez mal. E depois seus pensamentos se voltam pra suas atividades. Entretanto, hora ou outra, você lembra da pessoa, num vislumbre, num repente. A voz vem no ouvido sem, no entanto, vir. A imagem vem na mente, sem que você a veja em lugar algum. A risada, as conversas. Mas logo você esquece, tem atividades 'hodierníssimas' pra resolver. E quando algo inusitado acontece, você pensa: Vou contar pra ela assim que a vir. Seja o mais ínfimo dos acontecimentos... Quando você discute com o caixa do supermercado, quando você vê uma batida no trânsito, quando teu professor fez uma piada que ninguém riu e você ficou com pena e riu pra ser solidário. O pensamento sempre vem: ela vai rir ao saber dessa. Ela vai xingar o cara junto comigo, pra ser solidária. Vai dizer que a razão era minha e que ele era mesmo um pateta. E que ela xingaria a vó dele quando o encontrasse por aí. Os vídeos do Youtube, as propagandas na TV, o casal famoso que se divorciou na boate aos tapas. Os gols da segundona. E, sem se dar conta que a saudade estava surgindo discretamente, você percebe que algo está faltando. Até se dar conta do que é, demora. Até perceber que é dela, demora. Então tem aquela hora, aquela hora típica, em que todos os dias você a via. Ou ouvia a voz dela. Ou contava coisas pequenas do seu dia, que não fazem diferença pra ninguém, mas ela gostava de contar e ouvir. E rir, e te devolver outras histórias dela. Nessa hora, a ansiedade vem, o peito arde. Você espera, espera, espera... Em vão. Espera, mesmo sabendo que ela não virá. Sem expectativas, mas com uma tímida esperança. E você se pergunta: Cadê? É uma vontade inequívoca de trazer as coisas ao que eram antes. Antes de ela não estar ali. Antes de tudo mudar. Mesmo que não haja como. Algumas vezes há, outras não. Às vezes, ela só foi ali. Demorou dois dias. Mas a saudade não tem o discernimento de saber a diferença. Mesmo que vá ali e demore a voltar, mesmo que seja alguém com quem você só fala, e não vê, mesmo que seja alguém que você sabe onde foi e por quê. Mesmo que você provoque a ausência, por bem ou por mal, por descuido ou por poesia, por coragem ou covardia... E você a queria perto, pra mais do que fazia antes, porque agora você entendeu que está com saudades, e que saudade é um indício de que ela faz parte de você, e você precisa um pouco dela pra viver. Seja como for. Porque nós somos mesmo extremamente egoístas. Até o mais altruísta dos homens é, por natureza, zeloso de si. E sentimos falta do que faz parte de nós, do que nos constrói. Do que somos. Então você quer ela ali, segura, ao seu lado, garantindo o seu bem-estar. Matando aquele bicho corroento que perturba seu sono. Das duas uma: ou ela volta, com um saco de pães quentinhos na mão e um sorriso no rosto. E tudo reestabelece seu equilíbrio. (E quando isso acontece, das duas uma: iu você entende que precisa dela, dá-lhe um abraço apertado sem que ela entenda por que e procura fazer tudo aquilo que antes ela pedia, ou queria e você não queria corresponder, ou fazer.... Ou então, tudo volta a ser exatamente o que era antes. E você esqueceu que um dia sentiu saudade. Ela é uma parte de você, apenas. Como um braço, como um dedo. Como uma unha. E só se ela se ausentar você vai notar de novo.) Ou a outra: Ela não vem nunca mais, e nunca mais nada volta a ser como era antes. Ou ela vem, mas nada é mais como era antes. Ela veio diferente. Como o astronauta de mármore. Voltando mais pura do céu. Não é, de longe, a mesma pessoa. E daí, você sente, dói, e depois passa. Às vezes demora, às vezes é ligeiro e fulgaz. Às vezes dói feito cair o elevador, de uma vez, imensamente forte e única. Ou às vezes chove o ano inteiro a chuva fina. E você não tem mais a oportunidade de fazer tudo aquilo que procrastinou, em prol de vê-la mais feliz. E o mundo segue seu percurso, até que não doa mais. Até seu arranhão estar sarado, com ou sem cicatriz. Até sua ferida funda estar cauterizada, com uma cicatriz que dói nos dias frios. Mas eu espero que ela volte. Prometi que nunca mais declinaria seus convites. Espero, então que ela volte pra mim. Sei que voltará mais pura do céu. Mas que a essência seja aquela doce e sorridente, carinhosa e dedicada. Que me ama, incondicionalmente. Espero, sentadinha aqui, cuidando da vida-sem-ela. "Sem mais, a vida vai passando no vazio. Estou com tudo a flutuar no rio, esperando a resposta ao que chamo de amor..."

0 comentários:

Postar um comentário