quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O Inusitado

Ela ainda se pega a sentir o cheiro do corpo dele. Do corpo desconhecido de onde ela bebeu na noite anterior. Um cheiro peculiar, cheiro característico de gente, de homem. De homem desconhecida. Mas alguém, alguém que tem vida... e família... e projetos. E passado e futuro. Embora seja-lhe, tudo isso e ela, desconhecidos. Mas o cheiro dele se tornou confidente íntimo. O cheiro se tornou a prova cabal que tinha de que tudo aquilo não foi um sonho. Aconteceu. Na desordem da embriaguez, que amplifica os erros e turva a mente, de fato, aconteceu. Ele tinha um cheiro. E tinha, ele, um gosto. Que ficaram. Como o gosto é mais volátil à memória, porque só reaparece quando se compara a si, quando retorna, quando ocorre novamente, resta o cheiro, que se misturando o seu próprio fica mais fácil de lembrar. O seu suor parece ter o mesmo cheiro do suor dele. O seu hálito, o seu corpo. E ainda que isso não signifique nada, porque foi efêmero e passageiro, pareceu-lhe uma libertação. Seguindo dia seguinte, sol a pino, nada a falar. Nada a dizer, mas era um novo dia a se viver. Caminhando sob a dialética de um sol ardoroso, conversava consigo. Conservando o lado bom, porque não merecia arrependimento. Erro tolo, sem precauções, inconsequente, libertino. Mas bom, como são os melhores erros. Há erros deliciosos e esse, sem dúvida, foi o melhor em muito tempo. Caminhando sol a pino, dolorido o corpo, íntegra a alma. Renascendo do erro. Renascendo da libertinagem, da boemia. Seguia, caminho afora. "O dia adentro". Impulso vital fortalecido pela alma enamorada da liberdade, da imensa, indizível liberdade de ser só e a si. E essa força que jorrava de si, como a nascente de uma verve insana que havia de vir.

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